Por que não participo das manifestações

Em alguns momentos da história, algo explode e você tem três opções: ficar quieto, apoiar um movimento ou ir contra um movimento. E aí, qualquer das escolhas, inclusive a de ficar quieto, pode ser um erro tremendo. Mas você não tem muito tempo pra pensar, tem que escolher. Juntar tudo que sabe, unir com sua intuição, usar o que tem de capacidade de análise e decidir. Hoje, eu decido NÃO me juntar aos protestos que tomam conta do Brasil e me colocar CONTRA eles. Não saio às ruas, não porque prefiro me omitir ou por estar em dúvida. Não saio por achar que as atuais manifestações são mais nocivas que benéficas.

Sei que pessoas que compartilham alguns ideais comigo estão indo aos protestos. Tenho, por exemplo, especial vontade de ver o projeto da “cura gay” ser derrotado no Congresso. Estou estudando psicologia. Além de músico e jornalista, serei um psicólogo daqui a alguns anos. Me sinto revoltado ao ver uma proposta assim ser aceita logo na Comissão de Direitos Humanos, um espaço tão importante quanto simbólico. Que vergonha para o Brasil, que vergonha… Ontem, 20 de junho, vi que uma passeata contra o projeto estava sendo organizada em Brasília. Fosse só essa a manifestação, eu estaria lá. Mas não era só isso. Havia outras “causas” sendo defendidas. Outras com as quais concordo, outras que repudio. Por isso, nem pensei em me juntar à manifestação.

Honestamente, não quero desfilar pelas ruas ao lado de quem leva uma faixa defendendo a “intervenção militar”. Nem de quem pede o impeachment de uma presidente contra a qual não há nenhuma acusação e que, depois de eleita democraticamente (numa democracia que nos custou vidas e sangue para reconquistar), tem mais de 70% de aprovação. Nem de gente que não consegue ir além do discurso “tá tudo errado”, “sou contra a corrupção”, “político é tudo igual”, “quero distância da política”. Na boa? É que nem achar que não tem nada de estranho simpatizantes dos Panteras Negras e da Ku Klux Klan participarem do mesmo ato, afinal, basta que cada um leve a sua faixa e deixe o outro em paz, pois todos “estão insatisfeitos”, “estão cansados”, “têm do que reclamar”.

Falta de foco

Há quem diga que as críticas sobre a falta de foco do movimento não procedem. Que esses críticos não entendem que a causa é “a cidadania”, o “desejo por mais direitos”, a “vontade de ter serviços públicos de qualidade”. OK, quem em sã consciência pode ser contra tais “bandeiras”? Obviamente ninguém, e,  por isso, talvez, tanta gente se sinta logo convencida a participar. Mas o problema da falta de foco é a possibilidade de leituras que um movimento tão multifacetado permite.

Eu posso dizer qualquer das coisas a seguir sem medo de errar – e sem chance de acertar também: “Os manifestantes estão indignados com a influência cada vez maior da bancada evangélica no Congresso”; “os manifestantes acham o PT muito corrupto”; “os manifestantes querem o impeachment de Dilma”; “os manifestantes querem mesmo é transporte público mais barato”; “os manifestantes não aguentam mais a hipocrisia política e querem que o mensalão do PSDB seja julgado da mesma forma como foi o do PT”; “os manifestantes estão preocupados com a inflação”; “os manifestantes acham o Bolsa Família uma esmola que deve acabar”; “os manifestantes querem que os gastos com os programas sociais aumentem em vez de serem usados em estádios”; “os manifestantes apoiam o governo Dilma de maneira geral, mas acham que ele errou em alguns pontos recentemente”; “os manifestantes acham que todo partido é igual e a política deveria acabar; “os manifestantes respeitam muito as instituições democráticas e só querem dar um recado de insatisfação aos políticos”; “os manifestantes pensam que na época da ditadura era melhor” etc etc etc.

Estou errado? Não há blocos de manifestantes que se encaixam em cada uma dessas definições? Então estou certo. Mas há alguma dessas definições que descreva, com certeza, a totalidade dos manifestantes? Então estou errado. Ah, mas os protestos estão acima dessas questões. É um movimento apartidário, apolítico, consensual, argumentaria alguém. Não duvido das boas intenções desse alguém, mas duvido das intenções de quem, depois (ou agora mesmo), vai pegar só uma parte daquelas definições ali em cima para rotular o movimento. E aí, algum dia, vai ter muito Pantera Negra se vendo no vídeo das manifestações enquanto o partido da Ku Klux Klan mostra as imagens dizendo que levou milhares às ruas para defender a supremacia branca.

Honestamente? Não acho que foi à toa que algumas “pessoas” mudaram de opinião com relação às manifestações. Elas viram uma chance muito boa de usá-las politicamente, agora e em breve. Ah, eu falo isso porque me simpatizo com o governo Dilma e estou preocupado? Sim, estou preocupado. Mas não porque, no caldo, sobram críticas ao governo. Votei em Dilma e tenho minhas críticas a ela. O excesso de pragmatismo que dá poder a Felicianos me incomoda, a forma como se tratou a questão indígena recentemente me incomoda. Mas também acho que o governo que aí está tem muitos acertos e, principalmente, foi eleito e é apoiado pela maioria das pessoas. Não se pode achar normal um movimento que permite discursos golpistas e antidemocráticos, mas não aceita uma bandeira de partido político. Golpista pode, militante não? Gente, DEMOCRACIA, valor com o qual não se brinca! Claro que as pessoas podem se manifestar. Incomodar a presidente não está proibido. Mas não farei isso me juntando a gente que defende seu impeachment ou que se simpatiza com a ditadura militar ou que, hipocritamente, dá corda a discurso “apartidário” para lá na frente dizer que “estão todos contra o governo”. Esses que marchem com os seus. Prefiro uma marcha contra Feliciano de duas pessoas que saibam por que estão ali.

“Ah, você exagera, Beto. Todo mundo sabe que esses doidos golpistas são minoria. A maioria é do bem, não aceita a entrada de política no jogo.” Adoraria ter esse otimismo. Mas, pra mim, do jeito que a coisa evoluiu nas manifestações recentes, não dá mais pra acreditar que você pode garantir um movimento “apartidário”, “apolítico”, porque o uso dele será (está sendo) muito político, independentemente do que os manifestantes pensem individualmente. Se você não se importa com isso, vá pra rua. Dê volume ao que não tem forma e jogue com a sorte pra ver qual será o resultado.

Manifestações legítimas

Ressalto aqui que, na minha opinião, as manifestações surgiram de forma espontânea e legítima. Reconheço que deu mesmo vontade de me juntar a elas quando vi a polícia espancando estudantes que tinham uma reivindicação legítima. Pensei, imagino, como muita gente pensou: “Como assim? A passagem fica mais cara, os estudantes resolvem exercer o direito de dizer que não concordam e são espancados?” Não à toa, na passeata seguinte, tinha mais gente. E aí, de novo, cacete no pessoal? E cenas de arbitrariedade se repetem, inclusive em outras cidades, e gente é presa por portar vinagre? Normal que pensemos: “Ah, é assim? Vamos pra rua!”

E centenas de milhares foram pra rua, de forma legítima e espontânea. Muitos continuam nas ruas com a melhor das intenções. Mas é preciso entender que, apenas agir, não é suficiente. Vi amigos jovens dizendo: agora que saímos do Facebbok e estamos fazendo algo, reclamam que falta foco? Desculpem, mas reclamo sim. A participação política (que não precisa de partido) é linda, empolgante, mas muito trabalhosa. Exige reflexão, exige confronto com os próprios fantasmas, exige a tarefa penosa de reavaliar nossas posições (por mais que fira o ego). Exige conhecimento da história (discursos moralizantes, contra todos os partidos e políticos, sem pauta definida, só levaram a cenários horríveis). O protesto é a parte menor da participação política. Ir para a rua é parte do gesto político, mas não é o gesto completo.

A história acontece agora, e eu me posiciono assim. Sinceramente? Não seria nada ruim se o tempo mostrasse que minha escolha foi errada. Que li errado o momento, e que o Brasil ficou melhor depois disso tudo. Se minha visão mudar adiante, me posicionarei de forma diferente, humildemente.

18 respostas em “Por que não participo das manifestações

  1. “Mas também acho que o governo que aí está tem muitos acertos e, principalmente, foi eleito e é apoiado pela maioria das pessoas”.

    O fato de um governo ter muitos acertos, ter sido eleito e ser apoiado por uma “suposta” maioria (isso é opinião prá lá de sectária, tipo “meu time tem maior torcida”) não justifica roubo, malversação de recursos e, principalmente, notoriamente, burrice.

    Já reparou que a PM está mais aparelhada que o exército? Aqui o que se teme é o povo. Teu notável esforço para não denegrir tua presidenta(!?!) evitando citar que mente (redução das tarifas elétricas é causa judiciária perdida e não benefício concedido) não diz dela, prócer da pátria, ladra como todos eles, mas de ti. Um partidário, um torcedor que, como faz supor, nunca foi a campo, fica só no vídeo do computador ou da TV.

    Minhas felicitações pela paz alcançada.

  2. Parabens amigo ao seu artigo. Realmente esta muito bom. O unico ponto negativo advem da utopia. Por muito se tempo as coisas ficaram apenas na teoria. Esperar por uma politizacao do povo para que se tome uma atitude pode ser tarde demais.

  3. Como dizia minha mãe: desculpa de peidorreiro é barriga inchada.
    LArga de preguiçoso e conformista e #VEMPRARUA

  4. Triste ver alguém que está cursando psicologia tão alienado e conformista com a situação de merda do seu próprio país.

  5. Um dos poucos textos lúcidos que li nos últimos tempos sobre a onda de protestos que varre o país. Aqui em Porto Alegre, onde as manifestações acontecem desde o início do ano e tiveram como estopim o aumento das passagens de ônibus e a derrubada de árvores para ampliação de uma avenida, a infiltração do movimento por grupos de direito é flagrante.

  6. É natural ter medo da voz rouca das ruas. Mas, pelo que vi e senti até agora, o movimento faz o Brasil avançar. Está à esquerda do PT, apesar da presença dos aproveitadores e porra-loucas de estrema direita e de extrema esquerda.

    Dá medinho, sim. Mas os tempos são outros. Apesar do empenho de Lula/Gilberto Carvalho/Dilma para o MPL voltar à frente das multidões — e mais adiante tentar manipulá-las –, desta vez o Brasil vai avançar. A rede permite denunciar golpes à esquerda e à direita em tempo real.

    No fim, uma frente suprapartidária negociará os termos de uma reforma política — por exemplo: com financiamento público exclusivamente pelo eleitor, limitado a R$ 5 mil por doador –, com voto facultativo, mecanismos mais diretos de participação popular para, por exemplo, pedir o impeachment e cassar políticos traíras. E, quem, sabe, até a convocação de uma constituinte exclusiva, com mudança geral nos poderes. Afinal, esse Judiciário é o paraíso dos endinheirados. Colarinho branco nenhum vai preso, mesmo quando condenado.

    Sei que tanto o PT, em que sempre votei e hoje considero de direita, quanto a própria direita de Feliciano, terão seus eleitos (e muitos). Mas vale dar crédito ao monstro que está nas ruas (leia o Gaspari de hoje). Segue o link: http://oglobo.globo.com/pais/um-exercicio-de-fantasia-futurologica-8787541

    Apesar da bagunça e da falta de clareza do que emergirá, o futuro político que se desenha promete ser bem melhor do que o atual. Não nos tornaremos uma Dinamarca do dia pra noite. Mas também não regrediremos ao estágio de uma Venezuela, Bolívia ou Argentina, como querem o MPL, o PT e muitos cabeças de vento de plantão. Teremos um país sem cura gay, com mais justiça social e muito mais democrático que o de hoje.

  7. Exatamente. É disso que falo! E meus amigos todos não entendem e saem aleatórios a torto e a direita achando que caminhando na rua o Brasil ficará lindo e loiro.
    Até na parte que você diz… eu concordo.
    “Não seria nada ruim se o tempo mostrasse que minha escolha foi errada. Que li errado o momento, e que o Brasil ficou melhor depois disso tudo. Se minha visão mudar adiante, me posicionarei de forma diferente, humildemente”
    No Brasil, hoje o que é uma rebelião amanhã não passa de uma Luiza que foi pro Canadá (e virce-versa).
    Pra mim, o difícil não é começar uma guerra, uma causa, seja oq for.. É ter fôlego (pra se manter) e foco dentro dela.

  8. Um texto corajoso…nada mais verdadeiro. Se esse protesto fosse uma pessoa, com certeza seria um paciente com transtorno de múltiplas personalidades gau 3 de enfermidade.

  9. Seja lá qual for o verdadeiro recado, ele já foi dado. Agora basta. O que se vê são organizações criminosas se aproveitando das manifestações para agir e causar desordem. Bandidos estão criando perfis falsos para motivar o povo a continuar saindo as ruas. Em Belo Horizonte durante um dia de quebradeira, doze indivíduos foram presos dos quais nove tinham diversas passagens pela polícia inclusive por tráfico. No Rio de Janeiro, a polícia identificou no meio dos manifestantes chefes de quadrilhas e traficantes procurados. O que eles estariam fazendo por lá? lutando pelos seus direitos? Dilma já se pronunciou e governo nenhum possui uma varinha mágica para realizar melhorias de um dia para o outro. Quem quiser continuar a “luta” que se afilie a um partido político qualquer, ou crie um. Mas chegou a hora de parar de organizar manifestações para a bandidagem agir.

    • Participei de algumas aqui em Brasília e não vi bandidagem nenhuma. Se tem bandido agindo, a Polícia tem de agir também. Não pode é generalizar, como se tem tentado fazer. Sou jornalista e vejo a cobertura que vem sendo dada só corresponde ao que é feito sempre em relação à atividade política no Brasil: criminalizar os movimentos sociais. O que é mais importante do ponto de vista cívico: o que fazem 0,01% de baderneiros ou 99,99% de manifestantes pacíficos? A mídia está subvertendo até a matemática. Os partidos brasileiros são muito bons, no papel, os programas são maravilhosos. Mas, quando chegam ao poder, os políticos só pensam em se manter nele e perdem de vista seus ideais, traindo quem votou neles. Precisamos de uma mudança na própria forma de se organizar o debate político. O modelo atual está podre. é preciso pensar no voto distrital e facultativo e na possibilidade de candidaturas avulsas. Acho que só uma nova constituinte limitada a questões políticas e tributárias poderia dar conta da tarefa…

  10. Apesar de respeitar sua opinião, acho que ela é muito infeliz. O mêdo de que as manifestações sejam nocivas todos temos, mas ocorre que esse estado de letargia, que acometia a população brasileira, diante de todo esse descalabro promovido pelos “representantes” do povo brasileiro, de certa forma avalizava a manutenção desse “status quo”(estado de coisas) reinante. Outro equívoco, é quando você defende tese contra a falta de foco do movimento afirmando que o mesmo é multifacetado. Ocorre que o movimento tem foco sim! E o foco são os multifacetados problemas(os quais muitos deles você mesmo cita) gerados e promovidos pelos nossos “pseudos” representantes …Fato é que através de métodos excusos houve uma tentativa de minimizar o “foco” aos 20 centavos das passagens de ônibus. Estranhamente você coloca o seu foco pessoal, dizendo-se revoltado contra o projeto da “Cura Gay”, afirmando ainda que isso é uma vergonha para o Brasil…ora francamente meu amigo diante de de problemas sérios como gente sendo atendida em corredores de hospitais, corrupção, depredação e falta de escolas, inflação, etc…etc….etc…etc….você está preocupado com o projeto de cura gay?????? que nada mais é do que outro delírio desses loucos! Você visivelmente é petista como também “fui” (apaixonado)…mas abra sua cabeça o “PT” foi a maior decepção que a grande maioria do povo brasileiro teve..é a maior traição sofrida por nós…levei tempo para aceitar mas chegou um momento que senti que não poderia mais enganar a mim mesmo…faça uma análise franca reflita…Quem passou a ser realmente o Lula? Foi ele o mentor do mensalão e outras mazelas atribuídas a ele? Bolsa Família e outros “benefícios” são ou não são, compra disfarçada de votos? Vamos seja sincero com você mesmo! Também torço pela Dilma, mas me decpcionei…esperava uma reação mais “estadista” dela o que não aconteceu, foi partidária…mas esperemos mais um pouco. Você ainda nega a “ação”, outro erro, não sobrou outra alternativa se não agir…confesso que não fui nas passeatas, por mêdo da minha integridade física e dos meus,não por mêdo da volta da ditadura…ela já está aí…veja as PECs. Mas me senti emocionado com quem teve coragem e se manifestou.(tenho 56 anos). Fato é que esse modêlo não nos serve mais, os partidos não nos representam, atuam em causas própias(causa do movimento apartidário)…lutamos pelas eleições diretas veja o que conseguimos..Collor,Fernando Henrique e Lula. Não sei onde isso vai terminar, mas não esqueça o princípio da Democracia é que o poder emana do povo e por ele dever ser exercido.

  11. Não te conheço, mas assinaria embaixo do teu artigo. Também não estou nas ruas hoje, mas já estive muitas, muitas vezes. Já fui metalúrgica, bancária, hoje sou jornalistas (já há mais de 20 anos). Em todas essas categorias estive nas ruas, como estive também por muitas causas mais nacionais. Mas não estou hoje, e minhas justificativas são as mesmas que as suas. Parabéns!

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